quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Procrastinação


 

Hoje, depois de muito procrastinar, resolvi então começar a escrever este texto cujo tema é procrastinação. Na verdade, eu já tinha mais ou menos um roteiro do que eu gostaria de falar aqui, mas fiquei esperando alguma coisa... não sei bem o quê, talvez aquele tempo livre ou aquela inspiração para começar as primeiras frases, ou quem sabe um pouco de calmaria para poder escrever sem me distrair com as preocupações da vida adulta... Enfim, por qualquer um desses motivos – ou quem sabe por todos eles e mais alguns – eu me pus a adiar o quanto pude a missão de escrever esse texto.

No caso deste texto específico essa procrastinação, que nada mais é do que o fato de protelar uma atividade, não me causou prejuízos consideráveis. Talvez também por isso me permiti adia-lo. Eu não tinha uma data específica para tê-lo pronto, era simplesmente um tema que eu gostaria muito de conversar com vocês e estava esperando um momento oportuno para assim fazer.

Por várias vezes eu até me cobrei, me puni em pensamento por não ter feito ainda o texto. Essa tarefa por fazer, algumas vezes me gerou um certo desconforto, afinal era algo que eu havia me proposto, mas não estava cumprindo. Esse desconforto, no entanto, era passageiro por que voltava aquela regra de que eu não tinha um prazo específico para terminar o texto, então eu poderia esperar mais alguns dias enquanto fazia coisas que eu considerava mais importantes – ou que eu considerava que merecia, quando elas não eram lá tão importantes. Até que finalmente chegamos aqui e estou neste momento calmamente colocando em palavras aquilo que por dias tinha só em pensamento.

Porém, nem sempre a procrastinação resulta num desfecho tão simples quanto esse. Na maioria dos casos, talvez, ela pode ocasionar bastante ansiedade, um sentimento de frustração caso a pessoa não consiga realizar a atividade no prazo, ou até mesmo caso consiga, mas a atividade não fique tão satisfatória quanto se tivesse sido feita com mais tempo. Se a pessoa já sofre com ansiedade, o ato de procrastinar atividades pode aumentar as crises e prejudicar toda a rotina dessa pessoa.

O ato de procrastinar é um comportamento que está muito presente no nosso cotidiano. Se formos pensar, já começamos a procrastinar no momento em que o alarme toca e a gente liga o modo soneca para dormir mais uns cinco minutos que seja e adiar o momento de levantar da cama e começar os afazeres do dia.

Este comportamento pode ser mais ou menos generalizado de pessoa para pessoa e isto está relacionado à história de vida de cada um. Por exemplo, alguém pode procrastinar em determinados contextos e em outros não. Imaginemos uma pessoa que estuda e trabalha. No trabalho ela é uma profissional que poderíamos chamar de exemplar, sempre pontual, nunca entrega as coisas fora do prazo, etc... já na faculdade esta mesma pessoa nunca chega no horário, deixa as atividades para a última hora e por vezes não consegue entregar dentro do prazo.

Poderíamos elencar aqui uma série de motivos que faz esta mesma pessoa se comportar de maneiras tão diferentes nos dois contextos. Essas contingências poderiam envolver desde questões como uma carga de trabalho excessiva – que faz nossa personagem não ter tempo para estudar – até situações em que a questão não seja necessariamente falta de tempo, mas motivos como: no trabalho, se a pessoa deixa de entregar as atividades dentro do prazo ela tem grandes chances de sofrer alguma punição – uma bronca do chefe, desconto no salário, etc; já na faculdade podemos pensar que essas chances são menores ou a punição pode ser menor para a pessoa – perder pontos, por exemplo. Isto pode favorecer que ela dê prioridade às atividades do trabalho em detrimento das da faculdade.

Falamos de punição como controladora do comportamento de procrastinar, mas não necessariamente só a punição tem esse efeito. Ainda no nosso exemplo anterior, podemos pensar que nossa personagem procrastina na faculdade e não o faz no trabalho por que o segundo pode ser mais reforçador para ela que o primeiro. Por exemplo, ela pode se sentir bem realizando as tarefas do trabalho ao passo que as da faculdade não a deixam assim. Realizando as tarefas do trabalho ela pode acessar reforçadores como o reconhecimento de seus colegas e superiores (reforço social) ou até mesmo bonificações pelo trabalho bem executado (reforço arbitrário). Em todos os casos, no entanto, são as consequências que controlam o comportamento de procrastinar.

Algumas pessoas, entretanto, podem generalizar esse comportamento para diversas áreas da sua vida e isso acabar trazendo prejuízos para o desempenho da mesma. Como assim? Ao procrastinar a pessoa corre o risco de não conseguir realizar a tarefa a tempo ou não realizar tão bem e se sentir frustrada por isso. Quanto mais se aproxima do prazo e a pessoa ainda não realizou a tarefa, a tendência é que os níveis de ansiedade comecem a aumentar. Em alguns casos podendo gerar crises de ansiedade ou a pessoa ficar paralisada e não conseguir sequer realizar a tarefa. A pessoa pode passar a viver estressada e sempre com muitas coisas para fazer – sabe aquela história da bola de neve? Então.

Mas como um comportamento que pode causar tanto transtorno é tão comum na vida da gente? Bom, podemos dar algumas explicações baseadas nos famosos níveis de seleção do comportamento. O filogenético, o ontogenético e o cultural.

No primeiro nível, que diz respeito à espécie, podemos pensar que é natural que sejamos mais sensíveis a reforçadores imediatos do que aos de médio e longo prazo. No nosso exemplo, os reforçadores de entregar as tarefas do trabalho dentro do prazo podem ser imediatos como um elogio do chefe, um aumento no salário no final do mês, uma promoção, etc. Já no caso da faculdade esse reforço geralmente vem mais atrasado. Vamos imaginar que ela só irá obter os reforçadores de ter um curso superior depois de formada e isso pode levar alguns anos.

No segundo nível, que diz respeito ao indivíduo e sua história de vida, podemos pensar que um comportamento quando é muito generalizado já aconteceu várias vezes no passado. Aliás, qualquer comportamento comum de uma pessoa hoje já aconteceu várias vezes no passado e foi reforçado, por isso tende a se repetir. Vamos pensar que no passado essa pessoa já procrastinou outras vezes e no final, mesmo com os perrengues, ela conseguiu realizar a tarefa e deu tudo certo. No nosso exemplo, vamos supor que nossa personagem, mesmo perdendo os prazos na faculdade, deixando de entregar algum trabalho, ao final da disciplina ela sempre consegue nota suficiente para ser aprovada. Ela aprendeu ao longo do tempo que tudo bem procrastinar aqui, pois no final tudo tem grande probabilidade de dar certo.

Já no terceiro nível, que diz respeito ao contexto histórico-cultural-social da pessoa, aqui no Brasil se tem muito presente a cultura do “jeitinho brasileiro” que nada mais é do que uma validação do comportamento de procrastinar.

Podemos perceber então que a procrastinação envolve o autocontrole. Mas esse assunto vai ficar para um outro texto. Eu já estou me alongando demais. Porém, basicamente, o autocontrole para a Análise do Comportamento envolve a pessoa se manter sob controle de reforçadores atrasados (aqueles de médio e longo prazo) e de maior magnitude (maior valor reforçador para a pessoa) em detrimento dos reforçadores imediatos e de menor magnitude. Por exemplo, a pessoa deixar de sair com os amigos (reforço imediato) para estudar e passar num concurso e com isso acessar outros reforçadores (reforço de médio prazo e maior magnitude).

Vocês devem estar se perguntando, mas como eu faço para ter mais autocontrole e procrastinar menos? Bem, eu não acho que exista uma fórmula mágica para isso. Cada pessoa tem que ver o que funciona e o que não funciona para ela. Por exemplo, no meu caso eu poderia ter me dado um prazo para realizar essa tarefa, mas eu sei que dificilmente funcionaria e eu acabaria perdendo o prazo dado por mim mesmo. Então achei melhor deixar correr um pouco e usar outras estratégias. Mas alguém pode se sair melhor com esse tipo de atividade (sem prazo definido) quando ela mesma se coloca um prazo para realizar.

Outra estratégia que pode funcionar para muitas pessoas é dividir sua tarefa em partes. No meu caso, primeiro fiz um roteiro com as ideias que eu gostaria de abordar no texto, depois desenvolvi um pouco cada uma delas e por fim comecei a escrever o texto propriamente dito, também por partes. E eu não precisei fazer tudo de uma vez só, o que ajudou.

Fazer intervalos entre as etapas das atividades, torna-la mais reforçadora, escolher um local mais adequado possível, se dar recompensas após concluir uma etapa são meios eficazes de manter o foco (manter o comportamento sob controle das contingências específicas).

Bem, como vocês já devem ter percebido, este é um tema bem extenso, então posso voltar para falar um pouco mais sobre esses pontos que procurei abordar aqui. Por enquanto é isso, até mais!

 

Karlos Ruan Barbosa Freire

Psicólogo - CRP 11/13880

📧 karlosruan@gmail.com

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